Bastidores da TV e NovelasDestaques

Farofa da Gkay: festão de pobre com dinheiro

O povo anda se pasmando por pouco. Comer ouro sempre existiu, acontece muito na confeitaria, há um tempão. Antes disso, dizem que no Egito antigo, comida com ouro era mais comum do que farinha aqui em casa. Caetano gravar música de religião também não tem novidade. Deixa ele que só tava faltando mesmo os neopentecostais. Eu achando bonito ou feio, mercado é mercado e Paula tá aí de olho aberto, que ela né besta não. Mais uma pseudo-novidade que andam apresentando é conta de milhões em restaurante. Nunca vi nem paguei, mas sei que ocorre bastante.

De modo que, nesta semana, cheirando a novo só vi a Farofa da Gkay. Festão de pobre com dinheiro. Aí, sim. Vamos nos pasmar gostoso e com vontade que tem motivo e lugar. Porque veja e observe que sempre teve rico, pobre e remediado no mundo. Com tudo que é de rico sendo "chique", tudo que é de pobre sendo "cafona" e com os remediados ali no meio. Os mais bestas tentando parecer ricos e, com isso, parecendo mais pobres ainda de tanto esforço pra parecer o que não são.

Aí, entre os ricos, sempre houve o muro intransponível entre "dinheiro velho" e "dinheiro novo". O velho – fortunas que estão nas famílias há muitas gerações – sempre "valeu mais" porque vem preenchido de modos e costumes de gente que é rica há séculos e, conforme você sabe, gente fina é outra coisa. Olhando para a cara da pessoa, já se sabe do dinheiro. Ela pode estar de sandália de borracha que não adianta. A riqueza velha tá no jeito. Por isso que os "novos ricos" sempre foram tipo os póbi, entre os rykos. Toda vida ridicularizados, basta levantar da mesa que o rico velho se ri. O rico novo pode estar até pagando a carne de ouro. Não importa. Não tem modos de rico. Bobo da corte. Até que.

Parece que o jogo virou, não é mesmo? Hoje, passei um tempo vendo bastidores da festa de três dias que a criatura deu pra comemorar o próprio aniversário. Convidada fosse, presente eu estaria. Quem me dera (de máscara, por causa da covid) essa imersão nos novos modos e costumes postos por quem tá mandando no assunto. Se o "jeito certo" sempre foi o de quem tem mais dinheiro, pronto: a regra mudou. Por mais que se esforcem os "especialistas em boas maneiras", nenhum deles dita mais modelo de etiqueta social do que Gkay, Géssica Kayanne, a rica em pessoa. E seus convidados. Por exemplo.

O que eu sei é que – entre publis, amizades e alguma coisa paga deve ter – foram mais de 400 convidados em 72 horas de ostentação e: convidada urinada esquecendo o próprio nome, expulsão do convidado que arrancou o biquíni da moça, pagode, funk, maquiagem borrada, descer até o chão, caras cheias de preenchimento e ácido hialurônico, falar o preço dos objetos no apartamento do hotel, dizer "a água é chique que é em lata", "fazer a batedeira", assassinato do idioma, "vou mamar muito" (no dark room), muitas idiossincrasias ricamente contemporâneas mais e bastante encenação, claro.

Tudo que velhos ricos sequer pensariam em fazer. Ou, quando fazem, não deixam ninguém saber. Pagam pelo sigilo. Ou, se alguém sabe, perdem o sono. Morrem de vergonha. Pois Gkay publica. Os convidados publicam. É tudo explícito, acham lindo e natural. Inclusive o absoluto deslumbramento com dinheiro que, para os velhos ricos, entre todas, é a maior vergonha, a que mais se disfarça. Para eles, se a pessoa não tem, deve fingir costume. Se deslumbrar diante do luxo é o maior atestado de pobreza. Portanto, pecado capital.

Dinheiro mudou de donos? Não. Quatrocentões e afins seguem inabaláveis. Mas parece que, numa nova dinâmica, dinheiro chega em grande volume pra um tipo de gente que, antes, não poderia nem sonhar. Rapidamente. Sem um processo que vá ajustando, aos poucos, gostos, modos e hábitos para o que se esperava de ricos. A Farofa da Gkay é um grande exemplo disso. Pobres que enriqueceram sem o "adestramento necessário". Barulhentos, deslumbradíssimos, sem limites estéticos, sem vergonha de nada. Bêbados, sóbrios, arrumados, borrados, do jeito que bem quiserem estar. Agora são ricos (ou amigos de ricos) e dão as cartas conforme, enquanto eram pobres, lhes ensinaram.

GKay veste grifes de alta costura das quais não sei os nomes porque pouco me interesso por moda. Mas sei que são famosas e caras. Veste, inclusive, roupas de passarela, aquelas bem exóticas que são só referências para a temporada. É conceito. Não vai nem pra vitrine. Teve uma que ela usou que tinha três negócios que pareciam CDs, um pra enfiar a cara e mais dois para as mãos. Que não era pra ninguém usar na rua, digamos. Quer dizer, eu acho. Ou não era, antigamente. Tá paganu. Enfeita-se como bem entender.

Acho divertida a ressignificação de "finesse" ou, pelo menos, a ampliação do sentido e significado. Você pode achar lamentável, mas pense sem preconceitos e veja que Gkay e seus asseclas são revolucionários. Pode-se não gostar do conteúdo (nem eu), só que a transformação desse "soft power" do dinheiro é massa! "Ah, mas eles não têm cultura". Tá. E daí? Comprar livro a metro para suntuosas bibliotecas não chega a ser uma novidade. Os nossos velhos ricos também não estão por aí descobrindo talentos da música, estudando filosofia nem botando dinheiro nas primeiras telas de artistas iniciantes porque viram algo genial. Muito menos financiando cinema ou teatro, por isso que as leis de incentivo são necessárias, mas isso é outro papo.

Podem até ter um Kandinsky na parede, mas, como sabemos, decoradores sempre foram contratados para, também, escolher obras de arte que darão ares intelectuais a moradias milionárias e sem alma. A verdade é que dinheiro (de qualquer idade) nunca coincidiu exatamente com bom gosto e cultura, em nosso caso. Etiqueta social é apenas embalagem. Então, gosto desse deslocamento. Pior do que sempre foi, não tem como ficar. Pelo menos, temos novos ares. Parabéns para Gkay. Adoro, inclusive, que seja paraibano o sotaque.

Fonte: Correio 24hs

Deixe um comentário